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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Versos

Se o mundo um dia escrever nas paredes
Qualquer que seja o verso meu
Quero que escrevam apenas os que escrevi bêbado
Um dia que seja, apenas
Queria eu receber todo o afeto
Que usei pra afetar os papeis em que fiz
De caneta
Tudo aquilo que não podia ficar na cabeça
E ainda assim, se eu falasse, não chegaria aos ouvidos
Dos desinteressados
Se o mundo um dia resolver pintar em camisas
Qualquer que seja a foto minha
Quero que pintem aquelas em que eu tiver cigarros
Queria eu ter o pulmão tão negro
Quanto o meu passado estranho
De todas as vezes em que vaguei pelas ruas
Sob uma gama de olhares fervorosos e ateus
Ruas essas de paredes nuas
Que um dia vestirei de versos meus

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Matando na unha

Como posso manter teus valores
Se pra mim eles não valem nada?
Como posso ter os teus pudores
Se minha alma nasceu despudorada?
Perdoa o ácido escorrendo da minha língua
E se não perdoar, que seja
Perdoa tudo ou condena o nada
Que só tenho ouvidos pra a boca que me beija
Que posso fazer se eu nasci livre?
Que posso fazer se eu faltei tua aula?
Não aprendi a ser assim ou assado
Não aprendi a ser, apenas sou
Que faço eu, assim, à beira de um hospício
Pelo teu vício em ter gente quadrada
Como posso manter seus valores
Se eu não quero essa hipocrisia escancarada?

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Turista

Todo dia novo
Eu acordo pra uma velha notícia
Estou amando correr
Estou armando pra correr da polícia
E quando a corda apertar
Quero morder o teu pescoço
Quero enforcar o teu desgosto
Quero ser teu
Teu desalinho
Antes de ti, antes de nós
O mundo era meio mesquinho
E não havia nada novo
Só mesmo aquelas velhas notícias
Só mesmo gente velha e machista
Estou amando morrer
Estou armando pra morrer nessa pista
Que cada dia eu morro um pouco
Investigando o paradeiro do teu ser
Que cada dia eu me culpo um pouco
De não ser capaz de nos impedir de morrer
E a cada dia novo
Eu acordo pra uma velha malícia
Quero te comer
Comer com os olhos cruzando a Paulista
E estou amando correr
Correr de pernas nuas
Estou armando um morrer

Sobre o asfalto com meu sangue de turista

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Orbital

Temos que alinhar as nossas órbitas De uma vez Que algum dia eu sumo nove dias Ou nove anos Sem saber quem foi Ou quem te fez Moça, que se você vai embora Eu continuo Eu nu, contínuo Despido de tudo e todos que costumavam me orbitar Me dá um atestado de óbito Que é tua mente que eu habito Se você mente eu não admito Fala a verdade ou se cala, se não houver o que falar

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Fósforos

Num bar onde todos os sonhos estão presos
Naquela rua onde perdi a paciência
No país dos impunes, pergunto sempre "o que nos une?"
De um mundo de cigarros acesos
Fumaça incessante do cinzeiro que fiz de consciência
Eu apago o fumo em brasa como quem quer calar a razão
As marcas e a borra do café tardio lembram-me os olhos tão meus
Eu fumo e trago
Trago as boas novas
E as notícias de que nada mudou no velho front
Bebo olhares de escárnio e um pouco de saliva
Bebo vinho barato enquanto um abraço cativa o medo
E se o medo volta, que a revolta não se vá
Eu vejo tua boca e me pergunto se ela encaixa na minha
Minha velha indecisão de não saber
Se o mundo encaixa ou se é em caixa
Ou se dá pra cobrar fair play num jogo sem juiz
Se num povo sem vontade dá mesmo pra ser feliz
Num bar onde todos os sonhos estão presos
Uma caixa de fósforos dá o tom flamejante que preciso
E eu trago com força, todos os cigarros roubados
Sabendo que nem toda a fumaça de uma vida
Vai esconder o meu olhar
E mesmo assim
Eu sempre soube que não daria pra fugir de mim...